domingo, 12 de agosto de 2018

Amor de Perdição - Camilo Castelo Branco - Capítulo 2

Capítulo 2:

     Simão Botelho levou de Viseu para Coimbra arrogantes convicções da sua valentia. Se recordava os chibantes pormenores da derrota em que pusera trinta aguadeiros, o som cavo das pancadas, a queda atordoada deste, o levantar-se daquele, ensaguentado, a bordoada que abrangia três a um tempo, a que afocinhava dois, a grita-ria de todos, e o estrépito dos cântaros afinal, Simão deliciava-se nestas lembranças, como ainda não vi nalgum drama, em que o veterano de cem batalhas relembra os louros de cada uma, e esmorece, afinal, estafado de espantar, quando não é de estafar, os ouvintes.
     O académico, porém, com os seus entusiasmos, era incomparavelmente muito mais prejudicial e perigoso que o mata-mouros de tragédia. As recordações esporeavam-no a façanhas novas, e naquele tempo a academia dava azo a elas. A mocidade estudiosa, em grande parte, simpatizava com as balbuciantes teorias da liberdade, mais por pressentimento, que por estudo. Os apóstolos da Revolução Francesa nãos tinham podido fazer reboar o trovão dos seus clamores neste canto do mundo; mas os livros dos enciclopedistas, as fontes onde a geração seguinte bebera a peçonha que saiu do sangue de noventa e três, não eram de todo ignorados. As doutrinas da regeneração social pela guilhotina tinham alguns tímidos sectários em Portugal, e esses de ver é que deviam pertencer à geração nova. Além de que o rancor à Inglaterra lavrava nas entranhas das classes manufactureiras, e o desprender-se do jugo aviltador de estranhos tratados, estava no ânimo de muitos e bons portugueses que se queriam antes aliançados com a França. Estes eram os pensadores reflexivos; os sectários da academia, porém, exprimiam mais a paixão da novidade que as doutrinas do raciocínio.
     No ano anterior de 1800, saíra António de António de Araújo de Azevedo, depois conde da Barca, a negociar em Madrid e Paris a neutralidade de Portugal. Rejeitaram-lhe as potências aliadas as propostas, tendo-lhe em conta de nada os dezasseis milhões que o diplomata oferecia ao primeiro-cônsul. Sem delongas, foi o território português infestado pelos exércitos de Espanha e França. As nossas tropas, comendadas pelos duque de Lafões, não chegaram a travar a luta desigual, porque a esse tempo Luís Pinto de Sousa, mais tarde visconde de Balsemão, negociara ignominiosa paz em Badajoz, com cedência de Olivença à Espanha, exclusão de Ingleses de nossos portos, e Indenização de alguns milhões à França.
     Estes sucessos tinham irritado contra Napoleão os ânimos daqueles que odiavam o aventureiro, e para outros deram causa a congratularem-se do rompimento com a Inglaterra. Entre os desta parcialidade, na convulsiva e irrequieta academia, era voto de grande monta Simão Botelho, apesar dos seus imberbes dezasseis anos. Mirabeau, Danton, Robespierre, Desmoulins e muitos aos ouvidos de Simão. Difamá-los na sua presença era afrontarem-no a ele, e bofetada certa, e pistolas engatilhadas à cara do difamador. O filho do corregedor de Viseu defendia que Portugal devia regenerar-se num baptismo de sangue, para que a hidra dos tiranos não erguesse mais uma das mil cabeças sob a clava do Hércules popular.
     Estes discursos, arremedo aqueles mesmo que o tinham aplaudido em mais racionais princípios de liberdade. Simão Botelho tornou-se odioso aos condiscípulos que, para se salvarem pela infâmia, o delataram ao bispo-conde, reitor da Universidade.
     Um dia, proclamava o demagogo académico na praça Sansão aos poucos ouvintes que lhe restaram fiéis, uns por medo, outros por analogia de bossas. O discurso ia no mais acrisolado da idéia regicida, quando uma escolta de verdeais lhe aguou a escandecência. Quis o orador resistir, aperrando as pistolas, mas de sobra sabiam os braços musculosos da coorte dos archeiros, foi levado ao cárcere académico, donde saiu seis meses depois, a grandes instâncias dos amigos de seu pai e dos parentes de D. Rita Preciosa.
     Perdido o ano lectivo, foi para Viseu Simão. O corregedor repeliu-o da sua presença com ameaças de o expulsar de casa. A mãe, mais levada do dever que do coração, intercedeu pelo filho e conseguiu sentá-lo à mesa comum.
     No espaço de três meses fez-se maravilhosa mudança nos costumes de Simão. As companhias da ralé desprezou-as. Saía de casa raras vezes, ou só, ou com a irmã mais nova, sua predilecta. O campo, as árvores, e os sítios mais sombrios e ermos eram o seu recreio. Nas doces noites de Estio demorava-se por fora até ao repontar da alva. Aqueles que assim o viam admiravam-lhe o ar cismador e o recolhimento que o sequestrava da vida vulgar. Em casa encerrava-se no seu quarto, e saía quando o chamavam para a mesa.
     D. Rita pasmava da transformação, e o marido, bem convencido dela, ao fim de cinco meses, consentiu que seu filho lhe dirigisse a palavra.
     Simão Botelho amava. Aí está uma palavra única, explicando o que parecia absurda reforma aos dezassete anos.
     Amava Simão uma sua vizinha, menina de quinze anos, rica herdeira, regularmente bonita e bem-nascida. Da janela de seu quarto é que ele a vira a primeira vez, para amá-la sempre. Não ficara ela incólume da ferida que fizera no coração do vizinho: amou-o também, e com mais seriedade que a usual nos seus anos.
     Os poetas cansam-nos a paciência a falarem do amor da mulher aos quinze anos, como paixão perigosa, única e inflexível. Alguns prosadores de romances dizem o mesmo. Enganam-se ambos. O amor aos quinze anos é brincadeira: é a última manifestação do amor às bonecas; é a tentativa da avezinha que ensaia o voo fora do ninho, sempre com os olhos fitos na ave-mãe, que está da fronde próxima chamando: tanto sabe a primeira o que é amar muito, como a segunda o que é voar para longe.
     Teresa de Albuquerque devia ser, porventura, uma excepção no seu amor.
     O magistrado e sua família eram odiosos ao pai de Teresa, por motivos de litígios, em que Domingos Botelho lhes deu sentenças contra. Afora isso, ainda no ano anterior dois criados de Tadeu de Albuquerque tinham sido feridos na celebrada pancadaria da fonte. É, pois, evidente que o amor de Teresa, declinado de si o dever de obtemperar e sacrificar-se ao justo azedume de seu pai, era verdadeiro e forte.
     E este amor era singularmente discreto e cauteloso. Viram-se e falaram-se três meses, sem darem rebate à vizinhança, e nem sequer suspeitas às duas famílias. O destino, que ambos se prometiam, era o mais honesto: ele ai formar-se para poder sustentá-la, senão tivessem outros recursos; ela esperava que seu velho pai falecesse para, senhora sua, lhe dar, com o coração, o seu grande património. Espanta discrição tamanha índole de Simão Botelho, e na presumível ignorância de Teresa em coisas materiais da vida, como são um património!
     Na véspera da sua ida para Coimbra, estava Simão Botelho despedindo-se da suspirosa menina, quando subitamente ela foi arrancada da janela. O alucinado moço ouviu gemidos daquela voz que, um momento antes, soluçava comovida por lágrimas de saudade. Ferveu-lhe o sangue na cabeça contorceu-se no seu quarto como o tigre contra as grades inflexíveis da jaula. Teve tentações de se matar, na impotência de socorrê-la. As restantes horas daquela noite passou-as em raivas e projectos de vingança. Com o amanhecer esfriou-lhe o sangue, e renasceu a esperança com os cálculos.
     Quando o chamaram para partir para Coimbra, lançou-se do leito de tal modo desfigurado, que sua mãe, avisada do rosto amargurado dele, foi ao quarto interrogá-lo e despersuadi-lo de ir enquanto assim estivesse febril. Simão, porém, entre mil projectos, achara melhor o de ir para Coimbra, esperar lá notícias de Teresa, e vir a ocultas a Viseu falar com ela. Ajuizadamente discorrera ele, que a sua demora agravaria a situação de Teresa.
     Descera o académico ao pátio, depois de abraçar a mãe e irmãs, e beijar a mão do pai, que para esta hora reservara uma admoestação severa, a ponto de lhe asseverar que todo o abandonaria se ele caísse em novas extravagâncias. Quando metia o pé no estribo, viu a seu lado uma velha mendiga, estendendo-lhe a mão aberta, como quem pede esmola, e , na palma da mão, um pequeno papel. Sobressaltou-se o moço, e ,a poucos passos distantes de sua casa, leu estas linhas:<<Meu pai diz que me vai encerra um convento, por tua causa. Sofrerei tudo por amor de ti. Não me esqueças tu, e achar-me-ás no convento, ou no Céu, sempre tua do coração, e sempre leal. Parte para Coimbra. Lá irão dar as minhas cartas; e na primeira te direi em que nome hás-de responder à tua pobre Teresa.>>
     A mudança do estudante maravilhou a academia. Se o não viam nas aulas, em parte nenhuma o viam. Das antigas relações restavam-lhe apenas as dos condiscípulos sensatos que o aconselhavam para bem, e o visitaram no cárcere de seis meses, dando-lhe alentos e recursos, que seu pai lhe não dava, e sua mãe escassamente supria. Estudava com fervor, como quem já dali formava as bases do futuro renome e da posição por ele merecida, bastante a sustentar dignamente a esposa. A ninguém confiava o seu segredo, senão às cartas que enviava a Teresa, longas cartas em que folgava o espírito da tarefa da ciência. A apaixonada menina escrevia-lhe a miúdo, e já dizia que a ameaça do convento fora mero terror de que já não tinha medo, porque seu pai não podia viver sem ela.
     Isto afervorou-lhe para mais o amor ao estudo. Simão, chamado em pontos difíceis das matérias do primeiro ano, tal conta deu de si, que os lentes e os condiscípulos o houveram como primeiro premiado.
     A este tempo, Manuel Botelho, cadete em Bragança, destacado no Porto, licenciou-se para estudar na Universidade as matemáticas. Animou-o a notícia do reviramento que se dera em seu irmão. Foi viver com ele; achou-o quieto; mas alheado numa ideia que o tornava misantropo e intratável noutro género. Pouco tempo conviveram, sendo a causa da separação um desgraçado amor de Manuel Botelho a uma açoriana casada com um académico. A esposa apaixonada perdeu-se nas ilusões do cego amante. Deixou o marido e fugiu com ele para Lisboa, e daí para Espanha. Em outro relanço desta narrativa darei conta do remate deste episódio.
     No mês de Fevereiro de 1803, recebeu Simão Botelho uma carta de Teresa. No seguinte capítulo se diz minuciosamente a peripécia que forçara a filha de Tadeu de Albuquerque a escrever aquela carta de pungentíssima surpresa para o académico, convertido aos deveres, à hora, à sociedade e a Deus, pelo amor.






O sofrimento

quinta-feira, 7 de junho de 2018

Amor de Perdição - Camilo Castelo Branco - Capítulo 1

Capítulo 1

Domingos José Correia Botelho de Mesquita e Meneses, fidalgo de linhagem, e um dos mais antigos solarengos de Vila Real de Trás-os-Montes, era, em 1779, juiz de fora de Cascais, e nesse mesmo ano casara com uma dama do paco, D. Rita Teresa Margarida Preciosa da Veiga Caldeirão Castelo Branco, filha dum capitão de cavalos, neta de outro, António de Azevedo Castelo Branco Pereira da Silva, tão notável por sua jerarquia, como por um, naquele tempo, precioso livro acerca da Arte da Guerra.
Dez anos de enamorado, mal sucedido, consumira em Lisboa o bacharel provinciano. Para fazer-se amar da formosa dama de D. Maria I minguavam-lhe dotes físicos: Domingos Botelho era extremamente feio. Para se inculcar como partido conveniente a uma filha segunda, faltavam-lhe bens de fortuna: os haveres dele não excediam a trinta mil cruzados em propriedades no Douro. Os dotes de espírito não o recomendavam também: era alcançadíssimo de inteligência, e granjeara entre os seus condiscípulos da Universidade o epíteto de <<Brocas>> com que ainda hoje os seus descendentes em Vila Real são conhecidos. Bem ou mal derivado, o epíteto Brocas vem de broa. Entenderam os acadêmicos que a rudeza do seu condiscípulo procedia do muito pão de milho que ele digeria na sua terra.
Domingos Botelho devia ter uma vocação qualquer, e tinha: era excelente flautista; foi a primeira flauta do seu tempo; e a tocar a flauta se sustentou dois anos em Coimbra, durante os quais se pai lhe suspendeu as mesadas, porque os rendimentos da casa não bastavam a livrar outro filho de um crime de morte.
Formara-se Domingos Botelho em 1767, e fora a Lisboa ler no Desembargo do Paço, iniciação banal dos que aspiravam à carreira da magistratura. Já Fernão Botelho, pai do bacharel, fora bem aceite em Lisboa, e mormente ao duque de Aveiro, cuja pai do bacharel, fora bem aceite em Lisboa, e mormente ao duque de Aveiro, cuja estima lhe teve a cabeça em risco, na tentativa regicida de 1758. O provinciano saiu das masmorras da Junqueira ilibado da infamante nódoa, e até benquisto de conde de Oeiraas, porque tomara parte na prova que este fizera do primor de sua genealogia sobre a dos Pintos Coelhos do Bonjardim do Porto: pleito ridículo, mas estrondoso, movido pela recusa que o fidalgo portuense fizera de sua filha ao filho de Sebastião José de Carvalho.
As artes com que o bacharel flautista vingou insinuar-se na estima de D. Maria I e Pedro III não as sei eu. É tradição que o homem fazia rir a rainha com as suas facécias, e porventura com os trejeitos de que tirava o melhor do seu espírito. O certo é que Domingos Botelho frequentava o paço, e recebia do bolsinho da soberana uma farta pensão, com a qual o aspirante a juiz de fora se esqueceu de si, do futuro, e do ministro da justiça que, muito rogado, fiara das suas letras o encargo de juiz de fora de Cascais.

Há vinte anos que eu ouvi de um coevo do facto a história do assassínio, assim contada: Era em Quinta-Feira Santa. Marcos Botelho, irmão de Domingos, estava na festa de Endoenças, em S.Francisco, defrontando com uma dama, namorada sua, e desleal dama que ela era. Noutro ponto da igreja estava, apontado em olhos e coração à mesma mulher, um alferes de infantaria. Marcos enfreou o seu ciúme até ao final do ofício da Paixão. À saída do tempo encarou o militar, e provocou-o. O alferes tirou da espada, e o fidalgo do espadim. Terçaram as armas longo tempo sem desaire, nem sangue.

Já está dito que ele se atreveu aos amores do paço, não poetando com Luís de Camões ou Bernardim Ribeiro; mas namorando na sua prosa provinciana, e captando a benquerença da rainha para amolecer as durezas da dama. Devia de ser, afinal, feliz o <<doutor bexiga>> - que assim era na corte conhecido -  para se não desconcertar a discórdia em que andam rixados o talento e a felicidade. Domingos Botelho casou com D. Rita Preciosa. Rita era formosura, que ainda aos cinquenta anos se podia prezar de o ser. E não tinha outro dote, se não é dote uma série de avoengos, uns bispos, outros generais, e entre estes o que morrera frigido em caldeirão de não sei que terra da mourisma; glória, na verdade, um pouco ardente; mas de tal monta que os descendentes do general frito se assinaram Caldeirões.

Amigos de ambos tinham conseguido aplacá-los, quando Luís Botelho, outro irmão de Marcos, desfechou uma clavina no peito do alferes, e ali, à entrada da <<rua do Jogo da Bola>>, o derribou morto. O homicida foi livre por graça régia.
A dama do paço foi ditosa com o marido. Molestavam-na saudades da corte, das pompas das câmaras reais, e dos amores de sua feição e molde, que imolou ao capricho da rainha. Este desgosto viver, porém, não empeceu que se reproduzissem em dois filhos e três meninas. O mais velho era Manuel, o segundo Simão; das meninas uma era Maria, a segunda Ana, e a última tinha o nome de sua mãe, e alguns traços da beleza dela.
O juiz de fora de Cascais, solicitando lugar de mais graduado banco, demorava em Lisboa, na freguesia da Ajuda, em 1784. Neste ano é que nasceu Simão, o penúltimo de seus filhos. Conseguiu ele, sempre balanceado da fortuna, transferência para Vila Real, sua ambição suprema.
A distância de uma légua de Vila Real estava a nobreza da vila esperando o seu conterrâneo. Cada família tinha a sua liteira com o brasão da casa. A dos Correias de Mesquita era a mais antiquada no feitio, e as librés dos criados as mais surradas e traçadas que figuravam na comitiva.
D. Rita, avistando o préstito das liteiras, ajustou ao olho direito a sua grande luneta de oiro, e disse:

- Ó Meneses, aquilo que é?
- São os nossos amigos e parente que vêm esperar-nos.
- Em que século estamos nós nesta montanha? - tornou a dama do paço.
- Em que século?! O século tanto é dezoito aqui como em Lisboa.
- Ah! sim? Cuidei que o tempo parara aqui no século doze...

O marido achou que devia rir-se do chiste, que o não lisonjeara grandemente.
Fernão Botelho, pai do juiz de fora, saiu à frente do préstito para dar a mão à nora, que apeava da liteira, e conduzi-la à da casa. D.Rita, antes de ver a cara de seu sogro, contemplou-lhe a olho armado as fivelas de aço, e a bolsa do rabicho. Dizia ela depois que fidalgos de Vila Real eram muitos menos limpos que os carvoeiros de Lisboa. Antes de entrar na avoenga liteira de seu marido, perguntou, com a mais refalsada seriedade, se não haveria risco em ir dentro daquela antiguidade. Fernão Botelho asseverou a sua nora que a sua liteira não tinha ainda cem anos, e que os machos não excediam a trinta.
O modo altivo como ela recebeu as cortesias da nobreza - velha nobreza, que para ali viera em tempo de D. Dinis, fundador da vila - fez que o mais novo do préstito, que ainda vivia há doze anos, me dissesse a mim: <<Sabíamos que era dama da Senhora D. Maria I; porém da soberba com que nos tratou ficamos pensando que seria ela a própria rainha.>> Repicaram os sinos da terra, quando a comitiva assomou à Senhora de Almodena. D. Rita disse ao marido que a recepção dos sinos era a mais estrondosa e barata. Apearam à porta da velha casa de Fernão Botelho. A aia do paço relanceou os olhos pela fachada de edifício, e disse de si para si: <<É uma bonita vivenda para quem foi criada em Mafra e Sintra, na Bemposta e Queluz.>> Decorridos alguns dias, D. Rita disse ao marido que tinha medo de ser devorada das ratazanas; que aquela casa era um covil de feras; que os preceitos de uniformidade conjugal não obrigavam a morrer de frio uma esposa delicada e afeita às almofadas do palácio dos reis.
Domingos Botelho conformou-se com a estremecida consorte, e começou a fábrica de um palacete. Escassamente lhe chegavam os recursos para os alicerces: escreveu à rainha, e obteve generoso subsídio com que ultimou a casa. As varandas das janelas foram a última dádiva que a real viúva fez à sua dama. Quer-nos parecer que a dádiva é um testemunho, até agora inédito, da demência da Senhora D. Maria I.
Domingos Botelho mandara esculpir em Lisboa a pedra de armas; D. Rita, porém, teimara que no escudo se esquarteassem também as suas; mas era tarde, porque já a obra tinha vindo do escultor, e o magistrado não podia com a segunda despesa, nem queria desgostar seu pai, orgulhoso de seu brasão. Resultou daqui ficar a casa sem armas e D. Rita vitoriosa (2).
O juiz de fora tinha ali parentela ilustre. O aprumo da fidalga dobrou-se até aos grandes da província, ou antes houve por bem levantá-los até ela. D. Rita tinha uma corte de primos, uns que se contentavam de serem primos, outros que invejavam a sorte do marido. O mais audaciosos não ousava fitá-la de rosto, quando o ela remirava com a luneta em jeito de tanta altivez e zombaria, que não será estranha figura dizer que a luneta de Rita Preciosa era a mais vigilante sentinela da sua virtude.
Domingos Botelho desconfiava da eficácia dos merecimentos próprios para cabalmente encher o coração de sua mulher. Inquietava-o o ciúme; mas sufocava os suspiros, receando que Rita se desse por injuriada da suspeita. E razão era que se ofendesse. A neta do general frigido no caldeirão sarraceno ria dos primos, que, por amor dela, eriçavam e empoavam as cabeleiras com desgracioso esmero, e cavaleavam estrepitosamente na calçada os seus ginetes, fingindo que os picadores da província não desconheciam as graças hípicas do marquês de Marialva.
Não o cuidava assim, porém, o juiz de fora. O intriguista que lhe trazia o espírito em ânsias era o seu espelho. Via-se sincera-mente feio, e conhecia Rita cada vez mais em flor, e mais enfadada no trato íntimo. Nenhum exemplo da história antiga, exemplo de amor sem quebra entre o esposa deforme e a esposa linda, lhe ocorria. Um só lhe mortificava a memória, e esse, conquanto fosse da fábula, era-lhe avesso, e vinha a ser o casamento de Vénus e Vulcano. Lembravam-lhe as redes que o ferreiro coxo fabricava para apanhar os deuses adúlteros, e assombrava-se da paciência daquele marido. Entre si, dizia ele que, erguido o véu da perfídia, nem se queixara a Júpiter, nem armaria ratoeiras aos primos. A par do bacamarte de Luís Botelho, que varara em terra o alferes, estava uma fileira de bacamartes em que o juiz de fora era entendido com muito superior inteligência à que revelava na compreensão do Digesto e das Ordenações do Reino.

(2) É a casa-palacete da <<Rua da Piedade>>, hoje pertencente ao doutor Antônio Gerardo Monteiro. Nota da 1.a edição.)

Este viver de sobressaltos durou seis anos, ou mais seria. O juiz de fora empenhara os seus amigos na transferência, e conseguiu mais do que ambicionava: foi nomeando provedor para Lamego. Rita Preciosa deixo saudades em Vila Real, e duradoura memória da sua soberba, formosura e graças de espírito. O marido também deixou anedotas que ainda agora se repetem. Duas contarei somente para não enfadar. Acontecera um lavrador mandar-lhe o presente duma vitela, e mandar com ela a vaca, para se não desgarrar a filha. Domingos Botelho mandou recolher à loja a vitela e a vaca, dizendo que quem dava a filha dava a mãe. Outra vez, deu-se o caso de lhe mandarem um presente de pastéis em rica salva de prata. O juiz de fora repartiu os pastéis pelos meninos, e mandou guardar a salva, dizendo que receberia como escárnio um presente de doces, que valiam dez patacões, sendo que naturalmente os pastéis tinham vindo como ornato da bandeja. E assim é que, ainda hoje, em Vila Real, quando se dá um caso análogo de ficar alguém com o conteúdo e continente, diz a gente da terra: <<Aquele é como o doutor Brocas.>>
Não tenho assunto de tradição com que possa deter-me em miudezas da vida do provedor em Lamego. Escassamente sei que D. Rita aborrecia a comarca, e ameaçava o marido de ir com os seus cinco filhos para Lisboa, se ele não saísse daquela intratável terra. Parece que a fidalguia de Lamego, em o tempo orgulhosa duma antiguidade que principia na aclamação de Almacave, desdenhou a filáucia da dama do paço, e esmerilhou certas vergônteas podres do tronco dos Botelhos Correias de Mesquita, desprimorando-lhes as sãs com o facto de ele ter vivido dois anos em Coimbra tocando flauta.
Em 1801, achamos Domingos José Correia Botelho de Mesquita corregedor em Viseu. Manuel, o mais velho de seus filhos, tem vinte e dois anos, e frequenta o segundo ano jurídico. Simão, que tem quinze, estuda humanidade em Coimbra. As três meninas são o prazer e a vida toda do coração de sua mãe.
O filho mais velho escreveu a seu pai queixando-se de não poder viver com seu irmão, temeroso do gênio sanguinário dele. Conta que a cada passo se vê ameaçado na vida, porque Simão emprega em pistolas o dinheiro dos livros, convive com os mais famosos perturbadores da academia, e corre de noite as ruas insultando os habitantes e provocando-os à luta com assuadas. O corregedor admira a bravura de seu filho Simão, e diz à consternada mãe que o rapaz é a figura e o gênio de seu bisavô Paulo Botelho Correia, o mais valente fidalgo que dera Trás-os-Montes.
Manuel, cada vez mais aterrado das arremetidas de Simão, sai de Coimbra antes de férias e vai a Viseu queixar-se, e pedir que lhe dê seu pai outro destino. D. Rita quer que seu filho seja cadete de cavalaria. De Viseu parte para Bragança Manuel Botelho, e justifica-se nobre dos quatro costados para ser cadete.
No entanto, Simão recolhe a Viseu com os seus exames feitos e aprovados. O pai maravilha-se do talento do filho, e desculpa-o da extravagância por amor do talento. Pede-lhe explicações do seu mau viver com Manuel, e ele responde que seu irmão o quer forçar a viver monasticamente.
Os quinze anos de Simão têm aparência de vinte. É forte de compleição; belo homem com as feições de sua mãe, e a corpulência dela mas todo avesso em gênio. Na plebe de Viseu é que ele escolhe amigos e companheiros. Se D.Rita lhe censura a indigna eleição que faz, Simão zomba das genealogias, e mormente do general Caldeirão que morreu frito. Isto bastou para ele granjear a mal-querença de sua mãe. O corregedor via as coisas pelos olhos de sua mulher, e tomou parte no desgosto dela, e na aversão ao filho. As irmãs temiam-no, tirante Rita, a mais nova, com quem ele brincava puerilmente, e a quem obedecia, se lhe ela pedia, com meiguices de criança, que não andasse com pessoas mecânicas.
Finalizavam as férias, quando o corregedor teve um grande dissabor. Um dos seus criados tinha ido levar a beber os machos, e por descuido ou propósito, deixou quebrar algumas vasilhas que estavam à vez no parapeito do chafariz. Os donos da vasilhas conjuraram contra o criado; espancaram-no. Simão passava nesse ensejo; e, armado dum fueiro que descravou dum carro, partiu muitas cabeças, e rematou o trágico espectáculo pela farsa de quebrar todos os cântaros. O povoléu intacto fugira espavorido, que ninguém se atrevia ao filho do corregedor; os feridos, porém, incorporaram-se e foram clamar justiça à porta do magistrado.
Domingos Botelho bramia contra o filho, e ordenava ao meirinho - geral que o prendesse à sua ordem. D. Rita, não menos irritada, mas irritada como mãe, mandou, por portas travessas, dinheiro ao filho para que, sem detença, fugisse para Coimbra, e esperasse lá o perdão do pai.
O corregedor, quando soube o expediente de sua mulher, fingiu-se zangado, e prometeu fazê-lo capturar em Coimbra. Como, porém, D. Rita, lhe chamasse brutal nas suas vinganças, estúpido juiz de uma rapaziada, o magistrado desenrugou a severidade postiça da testa, e confessou tacitamente que era brutal e estúpido juiz.






Inteligente Amor.

sábado, 26 de maio de 2018

Amor de Perdição - Camilo Castelo Branco - Introdução

Introdução

Folheando os livros de antigos assentamentos no cartório das cadeias da Relação do Porto, li, no das entradas dos presos desde 1803 a 1805, a fl. 232, o seguinte:

Simão António Botelho, que assim disse chamar-se, ser solteiro e estudante na Universidade de Coimbra, natural da cidade de Lisboa, e assistente na ocasião de sua prisão na cidade de Viseu, idade de dezoito anos, filho de Domingos José Correia Botelho e de D. Rita Preciosa Caldeirão Castelo Branco estatura ordinária, cara redonda, olhos castanhos, cabelo e barba preta, vestido com jaqueta de baetão azul, colete de fustão pintado e calça de pano pedrês. E fiz este assento, que assinei - Filipe Moreira Dias.
À margem esquerda deste assento está escrito:
Foi para a Índia em 17 de Março de 1807. Não seria fiar demasiadamente na sensibilidade do leitor, se cuido que o degredo de um moço de dezoito anos lhe há-de fazer dó.
Dezoito anos! O arrebol dourado e escarlate da manhã da vida! As louçanias do coração que ainda não sonha em frutos, e todo se embalsama no perfume das flores! Dezoito anos! O amor daquela idade! A passagem do seio da família, dos braços da mãe, dos beijos das irmãs, para as carícias mais doces da virgem, que se lhe abre ao lado como flor da mesma sazão e dos mesmos aromas, e a mesma hora da vida! Dezoito anos!... E degredado da pátria, do amor e da família! Nunca mais o céu de Portugal, nem mãe, nem reabilitação, nem dignidade, nem um amigo!... É triste! O leitor decerto se compungia; e a leitora, se lhe dissessem em menos de uma linha a história daqueles dezoito anos, choraria!
Amou, perdeu-se e morreu amando.
É a história. E história assim poderá ouvi-la a olhos enxutos a mulher, a criatura mais bem formada das branduras da piedade, a que por vezes traz consigo do Céu um reflexo da divina misericórdia?! Essa, a minha leitora, a carinhosa amiga de todas os infelizes, não choraria se lhe dissessem que o pobre moço perdera a honra, reabilitação, pátria, liberdade, irmãs, mãe, vida, tudo, por amor da primeira mulher que o despertou do seu dormir de inocentes desejos?!
Chorava, chorava! Assim eu lhe soubesse dizer o doloroso sobressalto que me causaram aquelas linhas, de propósito procuradas, e lidas com amargura e respeito e, ao mesmo tempo, ódio. Ódio, sim... A tempo verão se é perdoável o ódio, ou se antes me não fora melhor abrir mão desde já de uma história que me pode acarear enojos dos frios julgadores do coração e das sentenças que eu aqui lavrar contra a falsa virtude de homens, feitos bárbaros, em nome da sua hora.



Frases de Amor.

terça-feira, 15 de maio de 2018

FRASES DE AMOR #3

Todo o dia quando acordo, eu lembro do seu rosto...
Como é Lindo o brilho que irradia dos teus olhos.
Esse brilho me ajuda a seguir em frente com prazer e alegria, pois você é, e sempre será, muito especial pra mim.
Muito obrigado pelo simples fato de você existir e me deixar fazer parte da sua vida, eu me sinto um privilegiado. Te amo!
Se não der certo, a gente tenta de novo, de novo e de novo. E se não der certo a gente fica junto errado mesmo.
Nem todos os anjos tem asas, às vezes eles têm apenas o dom de te fazer sorrir.
Quando duas pessoas realmente se gostam, elas sempre darão um jeito de dar certo. Não importa o quão difícil seja.




domingo, 6 de maio de 2018

FRASES DE AMOR #2

Preciso encontrar uma forma de dizer-te do meu amor que o mundo todo sabe, só você não vê!
Todas às vezes que procuro te esquecer, descubro um pouco mais de amor por ti!
Sou um maluco tentando ter para mim a obra mais linda esculpida por Deus: você!
Gostaria tanto de ter para mim, mas mesmo sem te ter sinto que pertenço a ti!
O meu amor por ti é tão grande, puro e verdadeiro que não dá para explicar se alguém me perguntasse!
Ao te conhecer passei a entender o significado da vida e a chave que ligaria o amor em meu coração.
Se eu tivesse que escrever um poema faria dele o melhor, escreveria o seu nome milhões de vezes!
Não sei onde estão teus olhos, o teu sorriso, o teu perfume, amor meu, mas tenho comigo a dor da distância que me mata de amor e de vontade de te ter nos braços.
Amo do jeito que sei amar; posso até não ser um gênio do amor, vivo aprendendo a encantar com as pessoas que me deixam fazê-las felizes, a meu modo de ser.
Quantas vezes será preciso dizer que te amo, se não consigo viver sem te ter ao meu lado um só instante.



segunda-feira, 30 de abril de 2018

A Família

Preciso encontrar uma forma de dizer-te do meu amor a minha família.
Todas às vezes que procuro minha família, descubro um pouco mais de amor.
Sou um maluco tentando ter para mim a obra mais linda esculpida por Deus: Família.
O meu amor por minha família é tão grande, puro e verdadeiro que não dá para explicar.
Se eu tivesse que escrever um poema faria dele o melhor uma Família que ama é uma família vencedora.
A Família é amor a distância pode ser longe mais a vontade de ver sua família é maior.
Amo do jeito que sei amar, posso até não ser compreendido pela minha família mais vivo aprendendo a encantar com as pessoas que me deixam fazê-las felizes, a meu modo de amar.
Não consigo viver sem ter minha família ao meu lado um só instante.



sexta-feira, 20 de abril de 2018

O Sofrimento

O Sofrimento
Sofrimento, dores, cansaço são indesejáveis porém, necessários para quem almeja grandes objetivos.
Perceba que não há mérito algum para aqueles que alcançam o cume de um monte só de helicóptero.
Eliedson McKinley.

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terça-feira, 10 de abril de 2018

A Felicidade

A Felicidade:
Enquanto eu for louco, poeta e carinhoso, haverá sonho, amor e esperança. Mas se me tiram o gosto de ser qualquer destes, tiram-me tudo!
Eu não preciso de você nem para andar e nem para ser feliz, mas como seria bom andar e ser feliz ao seu lado.
Eu passo quieto por você, você passa quieto por mim e eu ainda escuto o barulho que a gente faz.
Eu trocaria absolutamente tudo da minha vida para viver um amor de verdade.
Lembrar é fácil para quem tem memória. Esquecer é difícil para quem tem coração.
Livrai-me, Senhor, de tudo aquilo que for vazio de amar.
Alcança-la sem luta é melhor!
Tentei escrever muitas coisas, mas acabei descobrindo que amar é melhor sentir do que dizer.
Todos os dias peço a Deus que coloque o seu sorriso na minha vida!
Eu queria tanto dizer que não te quero, não te amo, mas por mais que tento lhe esquecer, aprendo que não vivo sem o teu mundo.
Enquanto o tempo passa, nos passos dela sinto aumentar o amor que tenho por você!
Todos às vezes que te amo, mais quero te amar! É a carga que quero carregar parar sempre no meu peito!
Aprendi a gostar de você devagarzinho e, de repente, me vi você ali, quis me completamente entregar a ti.
Plantei no meu coração a mais linda flor que é você, agora e sempre vou regar com meus carinhos!
Quantas palavras serão necessárias para que você enxerque que o meu mundo é estar ao teu lado?
Meu amor por você não pode ser medido, porque o universo é pequeno parar o que sinto.
O amor aprendi a sentir quando vi nos teus olhos que a vida é feita de felicidade!
Amar é uma forma de buscar o prazer e se contentar com aquilo que o outro tem para lhe oferecer, não ser exigente e deixar que as coisas aconteçam de forma natural.
Caso eu morra agora, estarei feliz. Já tive o amor de sua vida dentro de mim.


segunda-feira, 2 de abril de 2018

Inteligente Amor

Inteligente amor:
A verdade é que não te amo como os meus olhos que veem em ti mil defeitos, mas com o meu coração que amo o que os olhos desprezam.
Amor quando é amor não acaba,e até o final das eras há de aumentar. Mas se o que eu digo for erro e o meu engano for provado, então eu nunca terei escrito ou nunca ninguém terá amado.
Amor que é amor não para, não tem intervalo...
Ando tentando não conversar, não amar, nem sequer gostar, não me apegar, não voltar atrás, não repensar, ignorar, me manter distante. Ando tentando superar.
Aprendi a amar menos, o que foi uma pena e aprendi a ser mais cínico com a vida, o que também foi uma pena, mas necessário.
Viver para sempre tão bobo e perdido teria sido fatal.
Deus nos concede, a cada dia, uma página de vida nova, no livro do tempo. Aquilo que colocarmos nele, corre por nossa conta.
Duvide que as estrelas sejam fogo, duvide que o sol se mova, duvide que a verdade seja mentira, mas não duvide jamais de que te amo!
E eu, finalmente, deixei de ter pena de mim por estar sem você e passei a ter pena de você por estar sem mim.
E um amor arruinado, ao ser reconstruído, cresce muito mais belo, sólido e maior.
Em matéria de amor eu estou sempre repetindo de ano.



quinta-feira, 22 de março de 2018

FRASES DE AMOR #1

FRASES DE AMOR #1
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